quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A praga moderna


Acabei de ler a coluna da Lya Luft da veja desta semana e não posso deixar de postá-la aqui, pois está espetacular! Aí vai...


A praga moderna

Nossas pestes – que também as temos – podem ser menos tenebrosas do que as medievais, que nos faziam apodrecer em vida. Mas, mesmo mais higiênicas, destroem. E se multiplicam, na medida em que se multiplica o nosso stress. Ou melhor: o stress é uma das modernas pragas. Quanto mais naturebas estamos, mais longe da mãe natureza, que por sua vez reclama e esperneia: tsunamis, tempestades, derretimento de geleiras, clima destrambelhado. Ser natural passou a não ser natural. Ser natural está em grave crise.

O bom mesmo é ser virtual – mas isso é assunto para outra coluna, ou várias. Porque, se de um lado somos cada vez mais cibernéticos e virtuais, de outro cultivamos amores vampirescos, paixões por lobisomens, e somos fãs de simpáticos bruxos em revoadas de vassouras. Mudaram, os nossos ídolos. Não sei se para pior, mas certamente para bem interessantes. Pois nosso lado contraditório é que nos torna interessantes, em consultórios de psiquiatras, em textos de ficcionistas. Também na vida cotidiana aquela velhíssima voz do instinto, voz das nossas entranhas, deixou de funcionar. Ou funciona mal. Desafina, resmunga, rosna. A gente não escuta muita coisa quando, por acaso ou num esforço heroico, consegue parar, calar a boca, as aflições e a barulheira ao redor.

O que somos mesmo, neste período pós-moderno de que algumas pessoas tanto se orgulham, é estressados. Não tem doença em que algum médico ou psiquiatra não sentencie, depois de recitar os enigmáticos termos médicos: "E tem também o stress". Para alguns, ele é, aliás, a raiz de todos os males. Eu digo que é filho da nossa agitação obsessivo-compulsiva. Quanto mais compromissados, mais estressados: é inevitável, pois as duas coisas andam juntas, gêmeas siamesas da desgraça. Porque a gente trabalha demais, se cobra demais e nos cobram demais, porque a gente não tem hora, não tem tempo, não tem graça. Outro dia alguém me disse: "Dona, eu não tenho nem o tempo de uma risada". Aquilo ficou em mim, faquinha cravada no peito.

Um dos nossos mais detestáveis clichês é: "Não tenho tempo". O que antes era coisa de maridos e de pais mortos de cansaço e sem cabeça nem para lembrar data de aniversário dos filhos (ou da mãe deles), agora também é privilégio de mulher. De eficientes faxineiras a competentíssimas executivas, passamos de nervosas a estressadas, stress daqueles de fazer cair cabelo aos tufos.

Não sei se calvície feminina vai ser um dos preços dessa nossa entrada a todo o vapor no mercado de trabalho – pois ainda temos a casa, o marido, os filhos, a creche, o pediatra, o ortodontista, a aula de dança ou de judô dos meninos, de inglês ou de mandarim (que acho o máximo, "meu filhinho de 6 anos estuda mandarim") –, mas a verdade é que o stress nos domina. É nosso novo amante, novo rival da família e da curtição de todas as boas coisas da vida.

Que pena. Houve uma época em que a gente resolvia, meio às escondidas, dar uma descansadinha: 4 da tarde, a gente deitada no sofá por dez minutos, pernas pra cima... e eis que, no umbral da porta, mãos na cintura ou dedo em riste, lá apareciam nossa mãe, avós, tias, dizendo com olhos arregalados: "Como??? Quatro da tarde e você aí, de pernas pra cima, sem fazer nada?".

Era preciso alguma energia para espantar os tais fantasmas. Neste momento, porém, eles nem precisam agir: todos nós, homens e mulheres, botamos nos ombros cruzes de vários tamanhos, com prego ou sem prego, com ou sem coroa de espinhos. São tantos os monstros, deveres, trânsito, supermercado, dívidas e pressões, que – loucura das loucuras – começamos a esquecer nossos bebês no carro. Saímos para trabalhar e, quando voltamos, horas depois, lá está a tragédia das tragédias, o fim da nossa vida: a criança, vítima não do calor, dos vidros fechados, mas do nosso stress. Começo a ficar com medo, não do destino, eterno culpado, não da vida nem dos deuses, mas disso que, robotizados, estamos fazendo a nós mesmos.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Juramento de Hipocrates


“Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higéia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.

Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.

Conservarei imaculada minha vida e minha arte.

Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.

Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.

Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.”

terça-feira, 28 de julho de 2009

Artigo sobre o SUCESSO


Para muitos ter sucesso é ser bem sucedido profissionalmente, para outros é constituir um família e ser feliz, e para tantos outros é ter riqueza material. As definições de sucesso são as mais variadas possíveis. Às vezes, sucesso é ter muitas coisas. Às vezes, é ser alguma coisa. Ou mesmo, o equilíbrio entre o ter e o ser.
Seguir sua vocação, trabalhar em um local estimulante e administrar suas finanças são alguns dos “ingredientes” para conquistar o sucesso. Para Aristóteles, quando alguém tem compromisso com a excelência, realiza seu trabalho com sucesso, e assim alcança os resultados desejados.
Satisfação. Para muitos essa é a palavra certa para definir sucesso, e para torná-lo duradouro o auto-conhecimento é um aspecto essencial. Segundo Tom Morris, professor da Universidade de Notre Dame, a essência do verdadeiro sucesso não está na fama, dinheiro, poder e status. Para ele, estes são apenas efeitos colaterais do sucesso.
Sucesso é ter felicidade, é estado de espírito. É o equilíbrio entre o ter e o ser. É vontade de viver e progredir. E como diria Aristóteles, fazer o bem é a essência do sucesso.
A paixão exerce um impacto bem significativo na área profissional. Mark Albion, professor da Universidade de Harvard, realizou uma pesquisa com 1500 profissionais, onde 82% escolheram o emprego por causa do salário, e apenas 17% porque gostavam. Depois de 20 anos, Albion encontrou-se com 101 milionários, onde 100 faziam parte dos 17%. Planejamento, paixão e motivação!
Com planejamento caminhos são traçados e boas oportunidades são identificadas. Estabelecem-se objetivos e maneiras de alcançá-los. Já a motivação é necessária, pois é o desejo interno que faz a pessoa prosseguir, apesar dos obstáculos, em busca de seus sonhos e consequentemente do sucesso.
Deve-se relacionar sucesso com excelência. Pessoas preocupadas com a excelência são pessoas de sucesso não só no trabalho, mas também na vida. São respeitadas, admiradas e imitadas.
Izabella

terça-feira, 7 de julho de 2009

Paraíso da transgressão


Em “O Alienista”, Dr. Bacamarte médico formado em Portugal, instala-se em Itaguaí com o objetivo de estudar a loucura e sua classificação. Após muitas leituras científicas põe-se a levar para a Casa Verde, além de loucos mansos, os furiosos e os monomaníacos, cidadãos estimados e respeitados. Pessoas aparentemente ajuizadas, mas que, segundo as teorias do cientista, revelavam distúrbios mentais.
Trazendo para a atualidade temos o caso de Lindemberg, que seqüestrou e matou a ex-namorada Eloá Pimentel. O caso traz à tona incômodos questionamentos que a humanidade se faz sempre que está diante de situações como essa: como uma pessoa, até então insuspeita, é capaz de cometer um crime tão bárbaro? Por que umapessoa aparentemente normal pode fazer as piorescoisas sem sentir remorso?
Personalidades que podem, eventualmente, levar a gestos extremos como o de Lindemberg são mais comuns do que se imagina. A psicopatia atinge cerca de 4% da população, segundo a classificação americana de transtornos mentais - sendo assim, um em cada 25 brasileiros enquadra-se nesse perfil. Os graus de psicopatia variam do mais leve, como pequenos delitos e mentiras recorrentes, ao mais grave, que seriam os assassinatos e grandes golpes financeiros. As pessoas com perfil psicopático estão espalhadas em diferentes esferas do cotidiano, o desafio é identificá-los e saber lidar com eles.
"O psicopata é como o gato, que não pensa no que o rato sente. Ele só pensa em comida. A vantagem do rato sobre as vítimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o gato" afirma Robert Hare.
O psicólogo canadense Robert Hare aponta como características de um psicopata o egoísmo, a falta de amor ao próximo e a indiferença em relação ao sofrimento alheio. Portanto, a maior parte da população mundial tem um certo grau de loucura! Vemos crianças morrendo de fome em um mundo com excedentes de alimentos, família sem atendimento médico, pessoas morrendo de doenças que já possuem cura, tudo diante da indiferença. Indiferença da população e dos governos. E pouco se vê horror ou indignação, porque banalizamos a tragédia e endurecemos nossos corações. Somos todos um bando de psicopatas!
Crianças continuarão a ser estupradas, inocentes mortos, velhinhos roubados e mulheres trancadas em suas casas... Vivemos feito bando de ratos aflitos, recorrendo à droga, à bebida, ao delírio, à alienação e à indiferença, para agüentar uma realidade cada dia mais confusa. Bem-vindos paraíso da transgressão!
Izabella

terça-feira, 21 de abril de 2009

Vagabundagem Universitária Começa no Trote







Todo começo de ano é a mesma cena: calouros de universidades, as cabeças raspadas e as caras pintadas, incitados ou obrigados por veteranos, ocupam os sinais de trânsito pedindo dinheiro aos motoristas. É uma das formas do chamado ‘trote’, o mais artificial dos ritos de iniciação da mais artificial das instituições contemporâneas – a universidade.O trote nada mais é do que o retrato da alienação em que vivem esses adolescentes das classes favorecidas. Com tempo de sobra, eles não têm em que empregar tanta liberdade.Ou querem dizer que essas simples caras pintadas têm qualquer simbologia semelhante à das máscaras de dança das tribos primitivas estudadas por Lévi-Strauss?Para aquelas tribos índias, as máscaras eram o atestado da onipresença do sobrenatural e da pujança dos mitos. Mas esses adolescentes urbanos não têm tanta complexidade. Movido a MTV e shopping centers, o espírito deles vive nas trevas. A ausência de conhecimento e saber limitá-lhes os desejos e as atitudes.Em tempos mais admiráveis, ou em sociedades mais ideais, essa massa de vagabundos estaria ajudando a cortar cana nos campos, envolvidos com a reforma agrária, em programas de assistência social nas favelas ou com crianças de rua, ou mesmo explorando os sertões e florestas do país, como faziam os estudantes do extinto projeto Rondon.Hoje, mais do que nunca, há uma tendência – característica da mentalidade das elites da economia capitalista – de adulação da adolescência, de excessivo prolongamento da mesma e da excessiva indulgência para com esse período tido como ‘de intensos processos conflituosos e persistentes esforços de auto-afirmação’.Desde adolescente, sempre olhei com desprezo esse tratamento que se pretende dar à adolescência (ou pelo menos à certa camada social adolescente): um cuidado especial, semelhante ao que se dá às mulheres grávidas. Pois é exatamente esse pisar em ovos da sociedade que acaba por transformar a adolescência num grande vazio, numa gravidez do nada, numa angustiante fase de absorção dos valores sociais e de integração social.Se os adolescentes se ocupassem mais, sofreriam menos – ou pelo menos amadureceriam de verdade, solidários, ocupados com o sofrimento real dos outros.Mas não, ficam vagabundando pelos semáforos das cidades, catando moedas para festas e outras leviandades. E, o que é pior, sentindo-se deuses por terem conseguido decorar um punhado de fórmulas e datas e resumos de livros que os fizeram passar no teste para entrar na universidade.A mim - que trabalhava estudava ao mesmo tempo desde os 15 anos – causava alarme o espírito de vagabundagem que, cultuado na adolescência, vi prolongar-se na realidade alienada de uma universidade pública.Na Universidade de São Paulo, onde estudei, os filhos dos ricos ainda passam anos na hibernação adolescente sustentada pelo dinheiro público.






Escrito por: Marilene Felinto



Fonte: Folha de S. Paulo 25/02/1997

sábado, 18 de abril de 2009




Pensar é transgredir


Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos – para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.
Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.
Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.
Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: “Parar pra pensar, nem pensar!”
O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador.
Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.
Sem ter programado, a gente pára pra pensar.
Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas.
Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.
Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.
Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.
Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.
Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.
Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.
Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.
Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada.
Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada.
Muitas vezes, ousada.
Parece fácil: “escrever a respeito das coisas é fácil”, já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.
Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.
Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.
Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.
E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.


Lya Luft